#PL228: Boa ideia, má implementação. Correções propostas

O Grupo Parlamentar do PCP propôs o Projeto de Lei 228/XII/1a que, a grosso modo, tenta implementar o modelo do licenciamento compulsivo de obras de direito de autor para partilhas não comerciais de ficheiros.

Infelizmente erra sob vários aspetos que espero que possam ser corrigidos. Se não forem corrigidos, prefiro que seja chumbado.

Âmbito

Não é compreensível a exclusão dos programas informáticos, e muito menos das publicações periódicas. Na minha opinião não é aceitável reconhecer-lhes tal direito de exclusão. Esta mania, sobretudo, de excluir os programas informáticos destas coisas faz-me muita, muita comichão. Estão com medo de quem, da Microsoft?

Identidade

Devia assumir-se como licenciamento compulsivo e não como uma taxa. Ao assumir-se como uma taxa ganha imediatamente a comichão de uma data de gente.

Era muito mais preferível que fosse um licenciamento compulsivo que eu pudesse abdicar de o fazer, ou seja, eu só não pagava o valor de licenciamento compulsivo se expressamente não pretender fazer partilhas de ficheiros, estando então sujeito aos riscos de vir a ser processado por tal caso seja detetado tal ato num contrato meu.

Como taxa aplicada a todos cegamente, vai imediatamente receber oposição de:

  • gente que não quer fazer partilha de ficheiros
  • gente que até quer fazer partilha de ficheiros mas opõe-se a taxas
  • gente que se opõe a taxas

Se fosse um licenciamento compulsivo com opt-out dos cidadãos que não pretendessem fazer partilha de ficheiros, apenas alguns titulares de direitos se iriam opor, mas acredito que os listados acima ficariam satisfeitos, recebendo uma melhor receção.

Opt-out dos titulares de direitos

O opt-out dos titulares de direitos, em cujo caso não recebem a taxa, tem vários problemas:

  • cria muita complexidade sobre que conteúdos podem ser ou não partilhados (não, uma lista pública no site da tutela da Cultura não é nada prático, existem demasiadas obras, 1% delas podem representar muitos milhares!)
  • cria muita complexidade sobre a distribuição das taxas, tornando difícil perceber a sua justiça, sobretudo se fizerem opt-out de algumas obras mas outras não

Responsabilização dos ISPs

Não acho aceitável que seja responsabilizado um ISP. O princípio da ideia é claro: se há banda larga, é claro que os ISPs lucram com partilha não autorizada, certo? Para mim não é certo, é errado. Os ISPs não podem ser responsabilizados pelo que fazem os seus clientes. Se alguém tem de pagar um licenciamento compulsivo, não são seguramente os ISPs, é quem vai usufruir das obras.

Assim sendo, quem devia pagar algo são os utilizadores que não fazem opt-out.

Quem paga?

É ridículo pensar que o custo não acabará por se refletir  nos consumidores. Ainda que o contrato não aumente agora o custo, mais tarde aumentará. Dirão que será um ajuste de preços pela procura, ou por fazerem mais serviço que antes. Como é que será possível provar que este motivo é verdadeiro e não uma forma encapotada de compensar a taxa?

Tornemos as coisas simples, até porque 75¢ por mês não é exatamente uma fortuna, estamos a falar de 9€ por ano para ganhar um direito. Por isso, atribua-se o valor a cobrar a quem de direito: nós que ganhamos um direito novo. Quem não quiser este direito, marca uma check-box a dizer que não o quer e pronto.

Uma salvaguarda importante: por habitação, isto é, numa dada morada só pode haver uma cobrança de licenciamento compulsivo. Porquê?

  • porque podemos ter internet no telemóvel ou banda larga móvel com ISPs diferentes daquele que nos dá a banda larga fixa
  • porque também não é justo sobrecarregar uma família com N vezes o licenciamento compulsivo

E pronto, sem talões nem complicações.

A proposta

Assim sendo, fica abaixo (inspirado no #pl228) o que eu proporia como texto para a futura lei (de notar que não mexo nos artigos da distribuição mais por ignorância minha da melhor forma do que por concordar ou não com a fórmula). Reservo ainda o direito de publicar artigos futuros com revisões desta proposta, sobretudo na sequência de contribuições dos leitores 🙂

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece o regime jurídico da partilha de dados informáticos que contenham obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

Artigo 2.º

Âmbito

A presente lei aplica-se a todas as transações gratuitas e sem fins comerciais, diretos ou indiretos, realizadas por via telemática, de dados informáticos que contenham obras ou parte de obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos que tenham sido previamente publicadas, editadas comercialmente ou colocadas à disposição do público com o consentimento dos respetivos titulares.

Artigo 3.º

Definições

  1. Para os efeitos previstos na presente lei, entende-se por:
    1. Disponibilização de dados informáticos: a disponibilização por meios telemáticos de dados informáticos que contenham obras ou parte de obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos;
    2. Aquisição de dados informáticos: a aquisição, por via telemática, de dados informáticos que contenham obras ou parte de obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos;
    3. Partilha de dados informáticos: a disponibilização e aquisição de dados informáticos, definidas nos termos das alíneas anteriores;
    4. Plataforma de partilha: o meio telemático que permite a realização da partilha de dados informáticos.
  2. Para os efeitos previstos na presente lei, aplicam-se subsidiariamente os conceitos e definições estabelecidos no Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

Artigo 4.º

Partilha de dados informáticos

  1. É permitida a partilha gratuita e sem fins comerciais de dados informáticos que contenham obras ou parte de obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos cuja partilha não tenha sido expressamente proibida pelos respetivos titulares de direitos.
  2. Para os efeitos previstos no número anterior podem ser utilizadas plataformas de partilha, independentemente da localização do seu alojamento físico.
  3. A obtenção de obras através da partilha de dados informáticos não prejudica a necessidade de obtenção da autorização por parte dos titulares do direito de autor e dos direitos conexos para a sua comunicação, execução ou reprodução pública, aluguer ou qualquer forma de utilização ou exploração, quando realizados com intuito de proveitos comerciais.

Artigo 5.º

Compensação dos titulares de direitos de autor e direitos conexos

  1. Os titulares de direitos de autor e direitos conexos têm direito a auferir uma compensação correspondente, sem prejuízo de outras compensações a que tenham direito.
  2. A compensação dos titulares de direitos de autor e direitos conexos pela partilha de dados informáticos é da responsabilidade das entidades de gestão coletiva de direitos, nos termos a definir por cada entidade em regulamento próprio, presumindo-se a universalidade de representação nos termos estabelecidos no Código do Direito
    de Autor e Direitos Conexos.

Artigo 6.º

Fundo para a Partilha de Dados Informáticos

  1. Para os efeitos previstos no artigo anterior é constituído um Fundo para a Partilha de Dados Informáticos.
  2. O Fundo é constituído pelas verbas resultantes da cobrança aos clientes de serviços de acesso à internet de uma contribuição mensal de € 0,75 por contrato de fornecimento de serviços de acesso à internet.
  3. O valor da contribuição referida no número anterior é atualizado, por Despacho do membro do Governo responsável pela área da Cultura, em Julho de cada ano à taxa de inflação anualizada verificada pelo Instituto Nacional de estatística no mês anterior.
  4. A contribuição referida no número 2 não pode ser realizada em mais do que um contrato por residência do utilizador final
  5. A manutenção e gestão do Fundo é da responsabilidade do membro do Governo responsável pela área da Cultura, nos termos previstos em regulamento próprio.

Artigo 7.º

Distribuição das verbas do Fundo para a Partilha de Dados Informáticos

  1. As verbas anuais do Fundo são distribuídas da seguinte forma:
    1. 70% para as entidades de gestão coletiva de direitos;
    2. 30% para o orçamento de investimento da Direção-Geral das Artes e do Instituto do Cinema e do Audiovisual, para atribuição no âmbito dos concursos de apoio às artes e à produção cinematográfica.
  2. A verba prevista na alínea a) do número anterior é distribuída da seguinte forma:
    1. 40% para as entidades de gestão coletiva de direitos de autores;
    2. 30% para as entidades de gestão coletiva de direitos de intérpretes;
    3. 30% para as entidades de gestão coletiva de direitos de produtores e editores.

Artigo 8.º

Fiscalização

  1. A fiscalização do cumprimento da presente lei cabe à Inspeção-Geral das Actividades Culturais.
  2. Para os efeitos previstos no número anterior, a Autoridade Nacional de Comunicações fornece à Inspecção Geral das Actividades Culturais, anualmente, os dados relativos ao número de contratos de fornecimento de serviços de acesso à internet, através de tecnologias móveis e fixas.

Artigo 9.º

Entrada em vigor e regulamentação

  1. A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação.
  2. O regulamento previsto no n.º 6 do artigo 6.º é aprovado pelo membro do Governo responsável pela área da Cultura por Portaria no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei, ouvidas as entidades de gestão coletivas de direitos para o efeito.

4 Replies to “#PL228: Boa ideia, má implementação. Correções propostas”

  1. Não concordo com uma taxa fixa ou um licenciamento compulsório para partilha de ficheiros sem fins lucrativos. A partilha não-comercial é mais de divulgação que outra coisa, por isso não me parece justo alguém pagar por estar a divulgar uma obra de arte sem qualquer retorno.

  2. Eu também não a acho muito justa, mas tal como a segurança social, seria um preço que não me importo de pagar em troca de paz social…

  3. Pingback: Maracujá!
  4. Eu expus isto com bastante mais texto num post no G+. Mas, em resumo, concordo contigo, mas vou mais longe. Esta lei é desnecessária. Um artista que queira colocar as suas obras no domínio público, já o pode fazer e tem mecanismos de licenciamento como as licenças CopyLeft. Um artista que queira distribuir o seu conteúdo e ser ressarcido, tem que fazer o que os outros fazem, que é vender o seu conteúdo.

    As associações de artistas, ou as editoras são livres de fazer o bundling que quiserem, para eu poder pagar 9€ para ter acesso a toda uma classe de conteúdo. O Estado não tem nada que se meter nisto, é algo que pode perfeitamente ser tratado pela sociedade civil, se houver procura (que não há). Se não há procura, então isto é de facto uma taxa, e há que discordar dela, porque não é de forma alguma claro que a sociedade queira como um todo suportar SPAs e equivalentes.

    O meu post no G+ está aqui. É bastante mais longo…

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